Stock da dívida interna subiu 29,7%, atingindo 406.995,62 milhões de meticais (cerca de 6.368,3 milhões de dólares).
Bilhetes de Tesouro cresceram 54% em termos anuais, superando 131 mil milhões de meticais.
Uso da Facilidade de Crédito do Banco de Moçambique (Artigo 18) foi central para regularizar contencioso internacional.
Emissões de curto prazo dominam a carteira, elevando risco de refinanciamento.
Pressão sobre a gestão da dívida agrava-se com défice orçamental elevado e rolagem sistemática de títulos.
A dívida interna de Moçambique registou, em 2024, o maior agravamento da década, pressionando a tesouraria pública e expondo o país a riscos crescentes de refinanciamento e sustentabilidade fiscal. O recurso intenso à emissão de Bilhetes de Tesouro e à Facilidade de Crédito do Banco Central constitui uma resposta conjuntural que pode comprometer o equilíbrio a médio prazo.
O Relatório Anual da Dívida Pública 2024, publicado pela Direcção de Gestão da Dívida do Ministério da Economia e Finanças, revela um cenário de crescente dependência do financiamento interno para cobrir necessidades do Tesouro. Em 2024, o stock da dívida pública interna alcançou 406.995,62 milhões de meticais, o que representa um salto de 29,7% face a 2023, equivalente a mais 93.215,19 milhões de meticais.
O aumento foi impulsionado por dois factores principais: a emissão massiva de Bilhetes de Tesouro (BTs) e o recurso à Facilidade de Crédito junto ao Banco Central, prevista no artigo 18 da Lei do Orçamento. Esta última foi utilizada, principalmente, para regularizar o contencioso de Londres, demonstrando a prevalência de necessidades extraordinárias de financiamento.
A composição da dívida interna revela a predominância de três instrumentos:
Obrigações de Tesouro (OTs): 181.722,13 milhões MZN (+14,9%)
Bilhetes de Tesouro (BTs): 131.698,68 milhões MZN (+54%)
Outros (incluindo Banco Central e financiamento bancário): 93.574,81 milhões MZN (+33,5%)
O documento salienta que, embora o crédito interno ofereça vantagens como o desenvolvimento do mercado de capitais e a menor exposição ao risco cambial, a concentração do financiamento em instrumentos de curto prazo eleva perigosamente o risco de refinanciamento. Como se lê no relatório:
“O agravamento do défice fiscal em 2024 intensificou a pressão de tesouraria, exigindo maior recurso à dívida interna […] reflectindo uma maior pressão sobre a gestão do passivo, com riscos acrescidos de refinanciamento”.
Além disso, o fluxo líquido da dívida interna — a diferença entre novas emissões e reembolsos — atingiu um crescimento histórico de 205,6% em relação a 2023, mostrando uma tendência acentuada de acumulação de passivos em curto espaço de tempo.
Mesmo com uma trajectória descendente das taxas de juro — média de 16,3% para OTs e 16,1% para BTs em 2024 —, a gestão do perfil da dívida permanece vulnerável. A preferência dos investidores por BTs deve-se à sua elevada liquidez e baixa maturidade, mas este padrão:
“[…] acentua a vulnerabilidade do Estado a choques de mercado e limita a previsibilidade orçamental”.
A trajectória da dívida interna em 2024 ilustra um duplo desafio: responder a necessidades urgentes de financiamento, ao mesmo tempo que se preserva a sustentabilidade macrofiscal. A curto prazo, o recurso a instrumentos flexíveis e ao crédito do banco central tem garantido liquidez. No entanto, a médio e longo prazo, impõe-se uma reforma da estratégia de endividamento, com foco em alargar maturidades, diversificar fontes e reduzir a dependência de rolagem